DeMoura



DeMoura é o nome literário de Mário Mendes de Moura, editor durante sessenta anos no Brasil ( Fundo de Cultura, Páginas, Vértice, etc.), em Espanha ( PluralSingular) e Portugal ( Pergaminho, Arte Plural, Bico de Pena e Vogais & Companhia). Em 2014 lança a sua mais recente editora, a 4 Estações.
A partir de 2013 dedica-se à escrita. "O Contador de Estórias" e o "Escultor de Almas", são os primeiros títulos publicados na coleção Estação Primavera e na 4 Estações Editora.

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

O FUTURO DO LIVRO

          9.  O FUTURO DO LIVRO

  Ontem (16/10), tive o prazer de apresentar os meu livros no espaço cultural da FNAC de Cascais: O Contador de Estórias e  O Escultor de Almas. Presentes muitos amigos, assim como autores que editei em tempos, um encontro que muito me agradou. Quero aqui agradecer a todos os que me honraram com a sua presença, e à FNAC pela oportunidade desse evento. 
  Após a apresentação da nova editora (a 4Estações) e do autor pela sua diretora, Ione França, coube a mim fazer uma pequena intervenção sobre o que me levou a escrever e a editar estes títulos, já com noventa anos, e não antes, no decorrer da minha vida editorial de seis décadas.
   Curiosamente, enquanto o fazia, surgiu-me uma pergunta tola: e se fossem livros digitais, como seria o lançamento? Julgo que não haveria! Ou os leitores sentavam frente a um ecrã gigantesco? Ou todos em volta de um iPad?
  Os lançamentos de livros já tiveram em Portugal  a sua força comercial e promocional. Comercialmente, hoje para as pequenas tiragens, as pequenas vendas que proporcionam podem significar algo. Mas para grandes tiragens (em Portugal isso significa mais de três mil exemplares), mesmo a extraordinária venda de duzentos exemplares não é importante. Têm algum valor promocional, mas já lá vai o tempo em que os jornais e as rádios divulgavam razoavelmente bem todos os lançamentos. Hoje são tantos que os jornais já não consideram como notícia, a menos que seja de um figurão, como é típico desta cultura de subserviência portuguesa.
  Contudo, estas sessões de autógrafos são ainda uma gostosa festa de amigos, uma oportunidade para os leitores fiéis conhecerem o seu ‘adorado’ autor, e aproveitarem para lhe pedirem um autógrafo e trocarem umas palavrinhas.
   É curioso como em mercados livreiros muitíssimo mais pujantes do que o nosso, como por exemplo o da Inglaterra e dos Estados Unidos, as apresentações pessoais ao público pelos autores sejam tão frequentes, apesar da gigantesca força da televisão. E como é sabido nos Estados Unidos, por pressão dos editores e até contratualmente, os autores prestam-se às célebres ‘leituras’, em livrarias e clubes de leitura, frequentes e cansativas.
  Eu, que anteriormente como editor tantas vezes apresentei os meus autores na FNAC e em outras livrarias e espaços, fiquei feliz por o ter feito agora das minhas próprias obras, principalmente pela oportunidade de esclarecer alguns pontos da minha serôdia trajetória de escritor.

  Voltando aos livros de edição apenas digital. Sabemos que muitos, apesar de algum sucesso neste suporte, não o ultrapassam, nunca são editados em papel. Que outros, pelo seu sucesso nesse mesmo suporte, ganharam a edição como livros em papel, para venda no mercado livreiro. Também sabemos que muitos arautos do futuro bramam que o livro de papel não  tem qualquer hipótese em anos vindouros. Ouvimos até de um dos escritores que mais vende no mundo, Paulo Coelho,  150 milhões de livros em papel,  e não sei quantos digitais, falar na última Feira de Frankfurt que editores e livreiros não se atualizaram aos novos tempos do livro.
  Com a minha idade, e se isso acontecer mesmo rápido, isso não me preocupa nem me assusta. No decorrer da minha vida ouvi que o cinema iria matar o teatro, também que a televisão eliminaria a rádio e o cinema, que a fotografia tiraria todo o sentido à pintura, e por aí fora. De facto, a fotografia tem hoje status de uma apreciada arte e as exposições fotográficas vêm ombreando com as de pintura. Mas levou um século. A televisão usa o cinema e  fortalece a produção de filmes, pois precisa deles. O teatro não terá o fascínio dos áureos tempos de Shakspeare, mas está vivo, muito vivo, em todo o mundo, nos países ricos e nos mais pobres, nos de boa estrutura de teatros, como nos de menos, como Portugal. Os bons livros são adaptados para o teatro, para o cinema e para a televisão.
  Na realidade o que me assusta não é os jovens lerem apenas e-books nos seus computadores, iPads, iPhones, etc. O que me pasma e entristece são os que têm um peixinho num aquário virtual, que têm de alimentá-lo virtualmente e, não o fazendo, o peixinho morre. O que me preocupa, e muito, é esses jovens buscarem as namoradas nas redes sociais. Dispensam o perfume, o  acarinhar de uma pele suave, o magnetismo, os modos, o sorriso e a lágrima de uma jovem de carne e osso.
  Lembro de,  há mais de vinte e cinco anos, ver um belo, muito belo, filme (Barbarela) com Jane Fonda. Ela interpretava, neste filme, com o charme privilégio dos Fonda e a exuberância e beleza de Jane. O tema era o amor num futuro próximo, em que ‘fazer amor’ consistia em encostar a palma da mão na palma do parceiro, com direito a orgasmo mútuo, imediato e pleno. Assustei-me muito, temi que esse futuro acontecesse rápido. Felizmente nunca vi sinais da sua chegada.
   É por isso que não acredito no desaparecimento do livro em papel, com o seu caraterístico cheiro, seu toque gostoso, sua presença sólida, como quando pegava num livro de Emílio Salgari ou de Júlio Verne, quando tinha os meus dez anos.
 Tenho fé de ainda assistir a muitos, muitos mesmo, lançamentos e de lá sair com algum ou alguns dos assistentes para beber ou comer algo.

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