2. SAUDADES
DA OLIVETTI
Pouco depois de
voltar a Portugal, após quarenta anos de ausência, dos quais durante vinte nem
sequer aqui pisei, criei a Editora
Pergaminho, em 1991. Inicialmente como
atividade secundária e sem maior empenho, mas em 2006 passei a dedicar-me
exclusivamente a ela e, ainda, criei mais duas editoras, a ArtePlural e a Bico
de Pena, e dois selos editoriais, a GestãoPlus e a Quinto Selo.
Vendi estas editoras ao grupo Bertelsmann, em
2008, primeiro porque achei que o mercado ia ficar adulterado pelo compra-compra
das editoras tradicionais por grupos financeiros e, depois, porque não resisti
a um bom cheque. Pensei que tinha abandonado de vez o ramo, mas não, em 2009 criei a Vogais & Companhia, que
vendi um ano depois, porque não confiava
na distribuidora, apesar de só um dos títulos editado (O Diário de um Banana) poder manter a editora por muitos anos.
Depois desta venda
resolvi passar um ano sabático, que afinal foram dois. Em 2011 e 2012
viajei, todos os meses, uma semana para uma cidade europeia e alguns
períodos mais longos no Brasil. Meu Deus, o que vi de museus, igrejas, palácios
e paisagens, sempre na companhia entusiasta e carinhosa de Ione França , com a
qual vivo há quase duas décadas.
Em 2013 decidi
organizar uma relação fiável dos meus DVDs (mais de mil) e dos meus livros
(cerca de 2500, só os de ficção e poesia). Estava comprando, de uns e outros,
muitos repetidos, pois confiava apenas na minha memória. Fazer ‘fichinhas’ de cartolina, como fazia muitas
décadas antes para me orientar, seria ridículo no século vinte e um. Enfrentar
um computador era, para mim, inimaginável. Até então, nunca pousara meus delicados
dedos no teclado de um monstro desses.
Contudo, desde muito
jovem que escrevia muito rápido e bem à máquina, apesar de não com todos os
dedos, catando as letras, como diziam os meus irmãos. Comprara uma vigorosa portátil alemã, uma
Olympia (acho que era assim o nome). Depois de todos se deitarem, eu ia para a
sala de jantar, ampla e a essa hora só perturbada pelas badaladas do grande relógio de parede, e ficava a
matraquear. Ainda hoje oiço com agrado esse toc toc toc e, depois, o ziiiip com um toque de
campainha no final a dar-me os parabéns
por ter terminado mais uma linha. A
seguir o zuuup do tirar a folha do rolo, colocar com cuidado uma nova folha, e
recomeçar o estimulante toc toc toc. Que
saudades! Datilografava grossas teses de universitários e outros textos, o que
me proporcionava uns bons trocados, com os quais eu enfrentava a compra de
livros e as minhas aventuras campistas.
Continuei a escrever
à máquina, sempre em portáteis, pela vida fora, documentos pessoais e
comerciais, tanto para clientes, autores, agentes e até instruções para os muitos colaboradores das
muitas empresas que tive. A última portátil que comprei foi uma Olivetti
mexicana, há uns vinte anos, inesperadamente, pois tinha ido ao supermercado às
onze da noite apenas para comprar lâmpadas para o meu candeeiro de leitura. Mas
essa minha amada Olivetti ficou encostada há alguns anos, desde que sumiram do
mercado fitas para ela. Parece incrível, mas foi isso, nem aqui em Portugal nem
em muitos outros países onde procurei encontrei fitas para máquinas de escrever
portáteis, como se estas fossem relíquias pré-históricas. Nada, sumiram como os
linces ibéricos. Hoje lembro-me dela
como de uma querida namorada da adolescência
deixada na sombra do passado.
No inverno de 2012,
para organizar a base de dados dos DVDs
e livros, não tive outro remédio senão enfrentar a ideia de começar a trabalhar
num computador. Comprei um Toshiba
portátil e lá tentei elaborar as listas em Excel. Após muito desespero, pelo
desaparecimento inopinado de informações tão cuidadosamente digitadas,
bloqueios, erros inexplicáveis, frases que sumiam de onde as tinha colocado, supunha, mas que descobria em
trechos muito atrás, comecei a
entender-me melhor com o bicho indomável.
Claro, a minha longa prática de escrita à
máquina ajudou-me bastante, mas infelizmente a vida não é fácil, o teclado dos
computadores são concebidos para o inglês. Assim, eu que durante tantos anos
teclei num teclado, acho que se chamava ‘azert’, próprio para línguas latinas, penso
eu, quando teclo um ‘o’ sai um ‘p’, e quando calco um ‘a’ aparece, muito
contente, um inesperado ‘z’.
Finalmente, meses
depois, fiquei muito feliz quando
terminei a lista de DVDs organizada por realizadores, que é o que me interessa mais,
e também uma outra pelo título dos filmes, que é a que levo quando vou comprar mais
alguns DVDs, pois o nome do realizador,
em geral, está em letra muito pouco
legível ou tapado pela etiqueta do preço.
A lista dos livros
orgulhou-me ainda mais. Entra primeiro o nome do autor, claro, pelo último
nome, depois o título do livro, depois a editora, a seguir o título original e,
finalmente, o país em que foi editado. O título original é muito importante, já que nem sempre os editores traduzem o
título à letra. Por exemplo, uma estória de um pescador chamado Tom, que morre
quando pescava, com o título original de Fish,
pode sair em Portugal como António, o Pescador, na Espanha talvez El Pez Asesino, em França simplesmente Antoine e no Brasil, com à-vontade, Pescando à Linha.
Compro e leio livros
em português, em brasileiro, em francês e espanhol, e, muitas vezes, atraído por um título desconhecido de um autor
preferido, era enganado por uma capa diferente, texto das badanas desconhecido
e título em nada igual a um livro que já possuía. Comprava e, só em casa, talvez muito tempo depois, é que
percebia o erro. Agora oriento-me pelo título original, não há títulos
repetidos, poupo dinheiro e, principalmente, frustrações.
A propósito, quero
aqui exprimir a minha indignação e desagrado quando o editor omite o título
original, na página dos créditos. É uma falha editorial grave, uma falta de
ética e um desserviço aos leitores. Infelizmente, atualmente, muitas das
consideradas ‘boas’ editoras portuguesas cometem esse erro. Possivelmente, quero crer, apenas por
despreparo dos seus colaboradores.
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