DeMoura



DeMoura é o nome literário de Mário Mendes de Moura, editor durante sessenta anos no Brasil ( Fundo de Cultura, Páginas, Vértice, etc.), em Espanha ( PluralSingular) e Portugal ( Pergaminho, Arte Plural, Bico de Pena e Vogais & Companhia). Em 2014 lança a sua mais recente editora, a 4 Estações.
A partir de 2013 dedica-se à escrita. "O Contador de Estórias" e o "Escultor de Almas", são os primeiros títulos publicados na coleção Estação Primavera e na 4 Estações Editora.

sábado, 27 de setembro de 2014

Que saudades da Olivetti !

2. SAUDADES DA OLIVETTI

   Pouco depois de voltar a Portugal, após quarenta anos de ausência, dos quais durante vinte nem sequer aqui pisei,  criei a Editora Pergaminho, em 1991.  Inicialmente como atividade secundária e sem maior empenho, mas em 2006 passei a dedicar-me exclusivamente a ela e, ainda, criei mais duas editoras, a ArtePlural e a Bico de Pena, e dois selos editoriais, a GestãoPlus e a Quinto Selo.
   Vendi estas editoras ao grupo Bertelsmann, em 2008, primeiro porque achei que o mercado ia ficar adulterado pelo compra-compra das editoras tradicionais por grupos financeiros e, depois, porque não resisti a um bom cheque. Pensei que tinha abandonado de vez o ramo, mas não,  em 2009 criei a Vogais & Companhia, que vendi um ano depois,  porque não confiava na distribuidora, apesar de só um dos títulos editado (O Diário de um Banana) poder manter a editora por muitos anos.
  Depois desta venda resolvi passar um ano sabático, que afinal foram dois. Em 2011 e  2012  viajei, todos os meses, uma semana para uma cidade europeia e alguns períodos mais longos no Brasil. Meu Deus, o que vi de museus, igrejas, palácios e paisagens, sempre na companhia entusiasta e carinhosa de Ione França , com a qual vivo há quase duas décadas.
   Em 2013 decidi organizar uma relação fiável dos meus DVDs (mais de mil) e dos meus livros (cerca de 2500, só os de ficção e poesia). Estava comprando, de uns e outros, muitos repetidos, pois confiava apenas na minha memória. Fazer  ‘fichinhas’ de cartolina, como fazia muitas décadas antes para me orientar, seria ridículo no século vinte e um. Enfrentar um computador era, para mim, inimaginável. Até então, nunca pousara meus delicados dedos no teclado de um monstro desses.
  Contudo, desde muito jovem que escrevia muito rápido e bem à máquina, apesar de não com todos os dedos, catando as letras, como diziam os meus irmãos.  Comprara uma vigorosa portátil alemã, uma Olympia (acho que era assim o nome). Depois de todos se deitarem, eu ia para a sala de jantar, ampla e a essa hora só perturbada pelas badaladas do  grande relógio de parede, e ficava a matraquear. Ainda hoje oiço com agrado esse toc toc  toc e, depois, o ziiiip com um toque de campainha no final a dar-me  os parabéns por ter terminado mais uma linha.  A seguir o zuuup do tirar a folha do rolo, colocar com cuidado uma nova folha, e recomeçar o estimulante toc toc toc.  Que saudades! Datilografava grossas teses de universitários e outros textos, o que me proporcionava uns bons trocados, com os quais eu enfrentava a compra de livros  e as minhas aventuras campistas.
  Continuei a escrever à máquina, sempre em portáteis, pela vida fora, documentos pessoais e comerciais, tanto para clientes, autores, agentes e até  instruções para os muitos colaboradores das muitas empresas que tive. A última portátil que comprei foi uma Olivetti mexicana, há uns vinte anos, inesperadamente, pois tinha ido ao supermercado às onze da noite apenas para comprar lâmpadas para o meu candeeiro de leitura. Mas essa minha amada Olivetti ficou encostada há alguns anos, desde que sumiram do mercado fitas para ela. Parece incrível, mas foi isso, nem aqui em Portugal nem em muitos outros países onde procurei encontrei fitas para máquinas de escrever portáteis, como se estas fossem relíquias pré-históricas. Nada, sumiram como os linces ibéricos.  Hoje lembro-me dela como de uma querida namorada da adolescência  deixada na sombra do passado.
  No inverno de 2012, para  organizar a base de dados dos DVDs e livros, não tive outro remédio senão enfrentar a ideia de começar a trabalhar num computador.  Comprei um Toshiba portátil e lá tentei elaborar as listas em Excel. Após muito desespero, pelo desaparecimento inopinado de informações tão cuidadosamente digitadas, bloqueios, erros inexplicáveis, frases que sumiam de onde as tinha  colocado, supunha, mas que descobria em trechos  muito atrás, comecei a entender-me melhor com o bicho indomável.
    Claro, a minha longa prática de escrita à máquina ajudou-me bastante, mas infelizmente a vida não é fácil, o teclado dos computadores são concebidos para o inglês. Assim, eu que durante tantos anos teclei num teclado, acho que se chamava ‘azert’, próprio para línguas latinas, penso eu, quando teclo um ‘o’ sai um ‘p’, e quando calco um ‘a’ aparece, muito contente, um inesperado ‘z’.
  Finalmente, meses depois,  fiquei muito feliz quando terminei a lista de DVDs organizada por realizadores, que é o que me interessa mais, e também uma outra pelo título dos filmes, que é a que levo quando vou comprar mais alguns DVDs,  pois o nome do realizador, em geral,  está em letra muito pouco legível ou tapado pela etiqueta do preço.
  A lista dos livros orgulhou-me ainda mais. Entra primeiro o nome do autor, claro, pelo último nome, depois o título do livro, depois a editora, a seguir o título original e, finalmente, o país em que foi editado. O título original é muito importante,  já que nem sempre os editores traduzem o título à letra. Por exemplo, uma estória de um pescador chamado Tom, que morre quando pescava, com o título original de  Fish,  pode sair em Portugal como António, o Pescador, na Espanha talvez El Pez Asesino, em França simplesmente Antoine e no Brasil, com à-vontade, Pescando à Linha.
   Compro e leio livros em português, em brasileiro, em francês e espanhol, e,  muitas vezes,  atraído por um título desconhecido de um autor preferido, era enganado por uma capa diferente, texto das badanas desconhecido e título em nada igual a um livro que já possuía. Comprava e, só  em casa, talvez muito tempo depois, é que percebia o erro. Agora oriento-me pelo título original, não há títulos repetidos, poupo dinheiro e, principalmente, frustrações.
  A propósito, quero aqui exprimir a minha indignação e desagrado quando o editor omite o título original, na página dos créditos. É uma falha editorial grave, uma falta de ética e um desserviço aos leitores. Infelizmente, atualmente, muitas das consideradas ‘boas’ editoras portuguesas cometem esse erro.  Possivelmente, quero crer, apenas por despreparo dos seus colaboradores.

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